segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Noam Chomsky: "ESTAMOS À BEIRA DA TOTAL AUTODESTRUIÇÃO?"





Por Noam Chomsky, estadunidense 

Estamos à beira da total autodestruição?


"Existem mais processos de longo prazo apontando na direção, talvez não da destruição total, mas ao menos da destruição da capacidade de uma vida decente.

O que o futuro trará? Uma postura razoável seria tentar olhar para a espécie humana de fora. Então imagine que você é um extraterrestre observador que está tentando desvendar o que acontece aqui ou, imagine que é um historiador daqui a 100 anos - assumindo que existam historiadores em 100 anos, o que não é óbvio - e você está olhando para o que acontece. Você veria algo impressionante.

Pela primeira vez na história da espécie humana, desenvolvemos claramente a capacidade de nos destruirmos. Isso é verdade desde 1945. Agora, está finalmente sendo reconhecido que existem mais processos de longo prazo como a destruição ambiental liderando na mesma direção, talvez não à destruição total, mas ao menos à destruição da capacidade de uma existência decente.

E existem outros perigos como pandemias, as quais estão relacionadas à globalização e interação. Então, existem processos em curso e instituições em vigor, como sistemas de armas nucleares, os quais podem levar à explosão ou talvez, extermínio, da existência organizada.

Como destruir o planeta sem tentar muito

A pergunta é: O que as pessoas estão fazendo a respeito? Nada disso é segredo. Está tudo perfeitamente aberto. De fato, você tem que fazer um esforço para não enxergar.

Houve uma gama de reações. Há aqueles que estão tentando ao máximo fazer algo em relação à essas ameaças, e outros que estão agindo para aumentá-las. Se olhar para quem são, esse historiador futurista ou o extraterrestre observador veriam algo estranho. As sociedades menos desenvolvidas, incluindo povos indígenas, ou seus remanescentes, sociedades tribais e as primeiras nações do Canadá, é que estão tentando mitigar ou superar essas ameaças. Não estão falando sobre guerra nuclear, mas sim desastre ambiental, e estão realmente tentando fazer algo a respeito.

De fato, ao redor do mundo - Austrália, Índia, América do Sul - existem batalhas acontecendo, às vezes guerras. Na Índia, é uma guerra enorme sobre a destruição ambiental direta, com sociedades tribais tentando resistir às operações de extração de recursos que são extremamente prejudiciais localmente, mas também em suas consequências gerais. Em sociedades onde as populações indígenas têm influência, muitos tomam uma posição forte. O mais forte dos países em relação ao aquecimento global é a Bolívia, cuja maioria é indígena e requisitos constitucionais protegem os “direitos da natureza”.

O Equador, o qual também tem uma população indígena ampla, é o único exportador de petróleo que conheço onde o governo está procurando auxílio para ajudar a manter o petróleo no solo, ao invés de produzi-lo e exportá-lo - e no solo é onde deveria estar.

O presidente Venezuelano Hugo Chávez, que morreu recentemente e foi objeto de gozação, insulto e ódio ao redor do mundo ocidental, atendeu a uma sessão da Assembléia Geral da ONU há poucos anos atrás onde ele suscitou todo tipo de ridículo ao chamar George W. Bush de demônio. Ele também concedeu um discurso que foi interessante. Claro, Venezuela é uma grande produtora de petróleo. O petróleo é praticamente todo seu PIB. Naquele discurso, ele alertou dos perigos do sobreuso dos combustíveis fósseis e sugeriu aos países produtores e consumidores que se juntassem para tentar manejar formas de diminuir o uso desses combustíveis. Isso foi bem impressionante da parte de um produtor de petróleo. Você sabe, ele era em parte índio, com passado indígena. Esse aspecto de suas ações na ONU nunca foi reportado, diferentemente das coisas engraçadas que fez.

Então, em um extremo têm-se os indígenas, sociedades tribais tentando amenizar a corrida ao desastre. No outro extremo, as sociedades mais ricas, poderosas na história da humanidade, como os EUA e o Canadá, que estão correndo em velocidade máxima para destruir o meio ambiente o mais rápido possível. Diferentemente do Equador e das sociedades indígenas ao redor do mundo, eles querem extrair cada gota de hidrocarbonetos do solo com toda velocidade possível.

Ambos partidos políticos [dos EUA], o presidente Obama, a mídia, e a imprensa internacional parecem estar olhando adiante com grande entusiasmo para o que eles chamam de “um século de independência energética” para os EUA. Independência energética é quase um conceito sem significado, mas botamos isso de lado. O que eles querem dizer é: teremos um século no qual maximizaremos o uso de combustíveis fósseis e contribuiremos para a destruição do planeta.

E esse é basicamente o caso em todo lugar. Admita-se, quando se trata de desenvolvimento de energia alternativa, a Europa está fazendo alguma coisa. Enquanto isso, os EUA, o mais rico e poderoso país de toda a história do mundo, é a única nação dentre talvez 100 relevantes que não possui uma política nacional para a restrição do uso de combustível fóssil, e que nem ao menos mira na energia renovável. Não é porque a população não quer. Os americanos estão bem próximos da norma internacional com sua preocupação com o aquecimento global. Suas estruturas institucionais é que bloqueiam a mudança. Os interesses comerciais não aceitam e são poderosos em determinar políticas; então, temos um grande vão entre opinião e política em muitas questões, incluindo esta. Então, é isso que o historiador do futuro veria. Ele também pode ler os jornais científicos de hoje. Cada um que você abre tem uma predição mais horrível que a outra.

“O momento mais perigoso na história”

A outra questão é a guerra nuclear. É sabido por um bom tempo que, se tivesse que haver uma primeira tacada por uma superpotência, mesmo sem retaliação, provavelmente destruiria a civilização somente por causa das consequências de um inverno nuclear que se seguiria. Você pode ler sobre isso no Boletim de Cientistas Atômicos. É bem compreendido. Então, o perigo sempre foi muito pior do que achávamos que fosse.

Acabamos de passar pelo 50º aniversário da Crise dos Mísseis Cubanos, a qual foi chamada de “o momento mais perigoso na história” pelo historiador Arthur Schlesinger, o conselheiro do presidente John F. Kennedy. E foi. Foi uma chamada bem próxima do fim, e não foi a única vez tampouco. De algumas formas, no entanto, o pior aspecto desses eventos é que as lições não foram aprendidas.

O que aconteceu na crise dos mísseis em outubro de 1962 foi petrificado para parecer que atos de coragem e reflexão eram abundantes. A verdade é que todo o episódio foi quase insano. Houve um ponto, enquanto a crise chegava em seu pico, que o Premier Soviético Nikita Khrushchev escreveu para Kennedy oferecendo resolver a questão com um anúncio público de retirada dos mísseis russos de Cuba e dos mísseis americanos da Turquia. Na realidade, Kennedy nem sabia que os EUA possuíam mísseis na Turquia na época. Estavam sendo retirados de todo modo, porque estavam sendo substituídos por submarinos nucleares mais letais, e que eram invulneráveis.

Então, essa era a proposta. Kennedy e seus conselheiros consideraram-na - e a rejeitaram. Na época, o próprio Kennedy estimava a possibilidade de uma guerra nuclear. Então, Kennedy estava disposto a aceitar um risco muito alto de destruição em massa afim de estabelecer o princípio de que nós [EUA] - e somente nós - temos o direito de deter mísseis ofensivos além de nossas fronteiras, na realidade em qualquer lugar que quisermos, sem importar o risco aos outros - e a nós mesmos, se tudo sair do controle. Temos esse direito, mas ninguém mais o detém.

No entanto, Kennedy aceitou um acordo secreto para a retirada dos mísseis que os EUA já estavam retirando, somente se isso nunca fosse à publico. Khrushchev, em outras palavras, teve que retirar abertamente os mísseis russos enquanto os EUA secretamente retiraram seus obsoletos; isto é, Khrushchev teve que ser humilhado e Kennedy manteve sua pose de macho. Ele é altamente elogiado por isso: coragem e popularidade sob ameaça, e por aí vai. O horror de suas decisões não é nem mencionado - tente achar nos arquivos.

E para somar um pouco mais, poucos meses antes de a crise estourar, os EUA haviam mandado mísseis com ogivas nucleares para Okinawa. Eram mirados na China durante um período de grande tensão regional.

Bom, quem liga? Temos o direito de fazer o que quisermos em qualquer lugar do mundo. Essa foi uma lição daquela época, mas haviam outras por vir.

Dez anos depois disso, em 1973, o secretário de estado Henry Kissinger chamou um alerta vermelho nuclear. Era seu modo de avisar à Rússia para não interferir na constante guerra Israel-Árabes e, em particular, não interferir depois de terem informado aos israelenses que poderiam violar o cessar-fogo que os EUA e a Rússia haviam concordado. Felizmente, nada aconteceu.

Dez anos depois, o presidente em vigor era Ronald Reagan. Assim que entrou na Casa Branca, ele e seus conselheiros fizeram com que a Força Aérea começasse a entrar no espaço aéreo russo para tentar levantar informações sobre os sistemas de alerta russos, "Operação Able Archer". Essencialmente, eram ataques falsos. Os russos estavam incertos, alguns oficiais de alta patente acreditavam que seria o primeiro passo para um ataque real. Felizmente, eles não reagiram, mesmo sendo uma chamada estreita. E continua assim.

O que pensar das crises nucleares Iraniana e Norte-Coreana

No momento, a questão nuclear está regularmente nas capas nos casos do Irã e da Coreia do Norte. Existem jeitos de lidar com essa crise contínua. Talvez não funcionasse, mas ao menos tentaria. No entanto, não estão nem sendo considerados, nem reportados.

Tome o caso do Irã, que é considerado no ocidente - não no mundo árabe, não na Ásia - "a maior ameaça à paz mundial". É uma obsessão ocidental, e é interessante investigar as razões disso, mas deixarei isso de lado. Há um jeito de lidar com a suposta "maior ameaça à paz mundial"? Na realidade, existem várias. Uma forma, bastante sensível, foi proposta alguns meses atrás em uma reunião dos países não alinhados em Teerã. De fato, estavam apenas reiterando uma proposta que esteve circulando por décadas, pressionada particularmente pelo Egito, e que foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU.

A proposta é mover em direção ao estabelecimento de uma zona sem armas nucleares na região. Essa não seria a resposta para tudo, mas seria um grande passo à frente. E haviam modos de proceder. Sob o patrocínio da ONU, houve uma conferência internacional na Finlândia dezembro passado para tentar implementar planos nessa trajetória. O que aconteceu? [Israel, apoiado pelos EUA, não concordou em desfazer-se de suas armas nucleares]. Você não lerá sobre isso nos jornais pois não foi divulgado - somente em jornais especialistas.

No início de novembro, o Irã concordou em comparecer à reunião. Alguns dias depois, Obama cancelou a reunião, dizendo que a hora não estava correta. O Parlamento Europeu divulgou uma declaração pedindo que continuasse, assim como os estados árabes. Nada resultou. Então, moveremos em direção a sanções mais rígidas contra a população iraniana - não prejudicam o regime - e talvez guerra. Quem sabe o que irá acontecer?

No nordeste da Ásia, é a mesma coisa. A Coreia do Norte pode ser o país mais louco do mundo. É certamente um bom competidor para o título. Mas faz sentido tentar adivinhar o que se passa pela cabeça alheia quando estão agindo feito loucos. Por que se comportariam assim? Imaginemos a situação deles. Imagine o que significou na Guerra da Coreia anos dos 1950’s o seu país ser totalmente nivelado, tudo destruído por uma enorme superpotência, a qual estava regozijando sobre o que estava fazendo. Imagine a marca que deixaria para trás.

Tenha em mente que a liderança norte-coreana possivelmente leu os jornais públicos militares dessa superpotência na época explicando que, uma vez que todo o resto da Coreia do Norte foi destruído, a força aérea [USAF] foi enviada para a Coreia do Norte para destruir suas represas, enormes represas que controlavam o fornecimento de água - um crime de guerra, pelo qual pessoas foram enforcadas em Nuremberg. E esses jornais oficiais falavam excitadamente sobre como foi maravilhoso ver a água se esvaindo, e os asiáticos correndo e tentando sobreviver. Os jornais exaltavam com algo que, para os asiáticos, fora horror para além da imaginação. Significou a destruição de sua colheita de arroz, o que resultou em fome e morte. Quão maravilhoso! Não está na nossa memória, mas está na deles.

Voltemos ao presente. Há uma história recente interessante. Em 1993, Israel e Coreia do Norte se moviam em direção a um acordo no qual a Coreia do Norte pararia de enviar quaisquer mísseis ou tecnologia militar para o Oriente Médio e Israel reconheceria seu país. O presidente Clinton interveio e bloqueou. Pouco depois disso, em retaliação, a Coreia do Norte promoveu um teste de mísseis pequenos. Os EUA e a Coreia do Norte chegaram então a um acordo em 1994 que interrompeu seu trabalho nuclear e foi mais ou menos honrado pelos dois lados. Quando George W. Bush tomou posse, a Coreia do Norte tinha talvez uma arma nuclear e verificadamente não produzia mais.

Bush imediatamente lançou seu militarismo agressivo, ameaçando a Coreia do Norte - “machado do mal” e tudo isso - então a Coreia do Norte voltou a trabalhar com seu programa nuclear. Na época que Bush deixou a Casa Branca, tinham de 8 a 10 armas nucleares e um sistema de mísseis, outra grande conquista neoconservadora. No meio, outras coisas aconteceram. Em 2005, os EUA e a Coreia do Norte realmente chegaram a um acordo no qual a Coreia do Norte teria que terminar com todo seu desenvolvimento nuclear e de mísseis. Em troca, o ocidente, mas principalmente os EUA, forneceria um reator de água natural para suas necessidades medicinais e pararia com declarações agressivas. Eles então formariam um pacto de não-agressão e caminhariam em direção ao conforto.

Era muito promissor, mas quase imediatamente Bush menosprezou. Retirou a oferta do reator de água natural e iniciou programas para compelir bancos a pararem de manejar qualquer transação norte-coreana, até mesmo as legais. Os norte-coreanos reagiram revivendo seu programa de armas nucleares. E esse é o modo que se segue.

É bem sabido. Pode-se ler na cultura americana principal. O que dizem é: é um regime bem louco, mas também segue uma política do olho por olho, dente por dente. Você faz um gesto hostil e responderemos com um gesto louco nosso. Você faz um gesto confortável e responderemos da mesma forma.

Ultimamente, por exemplo, existem exercícios militares sul-coreanos-americanos na península Coreana a qual, do ponto de vista da Coreia do Norte, parecem ameaçadores. Pensaríamos [igualmente] que estão nos ameaçando se estivessem indo ao Canadá e mirando em nós. No curso disso, os mais avançados bombardeiros na história, Stealth B-2 e B-52, estão travando ataques de bombardeio nuclear simulados nas fronteiras da Coreia do Norte.

Isso, com certeza, reacende a chama do passado. Eles lembram daquele passado; então, estão reagindo de forma agressiva e extrema. Bom, o que chega no ocidente derivado disso tudo é o "quão loucos e horríveis os líderes norte-coreanos são". Sim, eles são. Mas essa não é toda a história, e esse é o jeito que o mundo está indo.

Não é que não haja alternativas. As alternativas somente não estão sendo levadas em conta. Isso é perigoso. Então, se me perguntar como o mundo estará no futuro, saiba que não é uma boa imagem. A menos que as pessoas façam algo a respeito. Sempre podemos."

FONTE: escrito por Noam Chomsky e transcrito no portal "Carta Maior" com tradução de Isabela Palhares (http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Noam-Chomsky-estamos-a-beira-da-total-auto-destruicao-/6/32713).
O autor, Noam Chomsky, (Avram Noam Chomsky, Filadélfia, 7 de dezembro de 1928) é linguista, filósofo e ativista político estadunidense. É professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Seu nome está associado à criação da gramática ge(ne)rativa transformacional. É também o autor de trabalhos fundamentais sobre as propriedades matemáticas das linguagens formais, sendo o seu nome associado à chamada "Hierarquia de Chomsky". Seus trabalhos, combinando uma abordagem matemática dos fenômenos da linguagem com uma crítica do behaviorismo, nos quais a linguagem é conceituada como uma propriedade inata do cérebro/mente humanos, contribuem decisivamente para a formação da psicologia cognitiva, no domínio das ciências humanas. Além da sua investigação e ensino no âmbito da linguística, Chomsky é também conhecido pelas suas posições políticas e pela sua crítica da política externa dos Estados Unidos. Chomsky descreve-se como um socialista libertário, havendo quem o associe ao anarcossindicalismo. Seu mais recente livro é "Power Systems: Conversations on Global Democratic Uprisings and the New Challenges to U.S. Empire".

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