quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A VITÓRIA DE SEVERINA E MARIA DAS DORES



Roupa na corda, de Heitor dos Prazeres

A vitória de Severina e Maria das Dores

Aqui está uma das razões da reeleição de Dilma contra a reação golpista

Por Mino Carta, na revista "CartaCapital"

"Conto uma história singela. Minha doméstica se chama Severina da Silva e está comigo desde 1981. É da minha família. Casada, 61 anos, casa própria, dois filhos formados engenheiros pela USP e muito bem empregados. Nasceu no Recife, onde vivem a mãe, lúcida aos 97, e a irmã Maria das Dores. E esta liga na segunda-feira 20, e informa: “Votei na Dilma e domingo volto a votar”.

Todos os nossos Silva estão com Dilma, no Recife e em São Paulo. “Deus me livre do Aécio ganhar – diz Maria das Dores –, quero realizar o sonho de visitar vocês de avião.” Severina já foi ao Recife três vezes, logo mais virá a irmã. Ambas de avião.

Enredo rigorosamente verdadeiro e altamente simbólico, chave do mais claro entendimento da vitória que Dilma Rousseff colhe ao se reeleger para a Presidência da República. Neste mesmo espaço, na edição de 24 de setembro passado, eu me atirava “a um vaticínio que muitos reputarão prematuro”. Ou seja, previa que a nação saberia “evitar o risco” de eleger quem representa o regresso.

Aí está o sentido do apoio de "CartaCapital" à permanência da presidenta Dilma. Sua vitória é a garantia da continuidade da política social e da política exterior independente executadas nos últimos 12 anos. Ganhamos agora a certeza de que o neoliberalismo não vingará, que o salário mínimo não será cortado, que a Petrobras não será privatizada, que o pré-sal não será loteado.

"CartaCapital" nunca deixou de manifestar a sua decepção com o PT que vi fundar e que por muito tempo na oposição desempenhou a contento o inédito papel de verdadeiro partido para, no poder, imitar os demais. Partidos se declaram, impropriamente. Inegável é, porém, que o governo, por cima e às vezes à revelia da maioria parlamentar, privilegiou os interesses do País.

Verifica-se, assim, uma estranha discrepância de comportamentos. É como se o PT tivesse perdido a sua identidade enquanto o governo mantinha a fé inicial. Dizia um sábio: quem perde a ideologia torna-se contemplativo. Sim, a gente sabe, não faltam aqueles que decretam o enterro das ideologias. De algumas, sim, contingentes, varridas pelo fracasso. Outras as substituem, coerentes com o tempo que passa. E uma ideia não morre, a da igualdade, tanto mais no nosso Brasil ainda tão desigual.

Nesta eleição, até pareceu só ter valor a ideologia reacionária e golpista. Já a alternância no poder se aplicaria somente no plano federal. No estadual, caberia analisar caso a caso. Em São Paulo, por exemplo, a alternância não se recomenda, de sorte a permitir que o governo tucano prossiga no seu caminho de desmandos e desastres.

Está claro que, se o PSDB vencesse, não se daria apenas a frustração de Maria das Dores. Voltariam, antes de mais nada, as ideologias professadas à sombra de Fernando Henrique Cardoso. Contra Aécio Neves, nada tenho na esfera pessoal. Conheço-o, como esclareci em outras oportunidades, há mais de 30 anos, desde quando carregava a pasta do avô Tancredo. Ao longo da campanha, deu-se quanto antecipamos. Foi tragado pelo apoio da mídia nativa e se entregou ao golpismo separatista de São Paulo, sobretudo.

Textos foram publicados, e falas proferidas, de puro humorismo no decorrer do percurso. Não me refiro, obviamente, a quem viu no Brasil um país rachado em dois. FHC incumbe-se de exibir a fratura e se torna valioso cabo eleitoral de Dilma. Se bem entendi, ele faz a diferença entre "ricos cultos" e "pobres desinformados". De verdade, o Brasil sempre esteve a pagar por três séculos e meio de escravidão e a manter de pé casa-grande-e-senzala. De um lado, a minoria que pretende deixar as coisas como estão. Surge, porém, do outro, quem gostaria de enterrar de vez a herança maldita. A bem de todos.

Aquela acredita viver em Dubai no topo da pirâmide, ou em patamar inferior, sonha em chegar lá. Felizmente, na maioria, figuram cidadãs como Severina e Maria das Dores. Elas percebem o que lhes convém".


FONTE: escrito por Mino Carta, na revista "CartaCapital"   (http://www.cartacapital.com.br/revista/823/a-vitoria-de-severina-e-maria-das-dores-2914.html).

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