segunda-feira, 19 de maio de 2014

RACIONAMENTO DA VERDADE EM SÃO PAULO




O racionamento da verdade em SP

Por Ricardo Melodo, colunista da "Folha de São Paulo" 

"Pelo jeito, o que anda em falta mesmo, além da água, é vergonha na cara dos políticos que falam de "ética".

Há cerca de dez dias, recebo um recado da Rita, que trabalha em casa. "Seu Edson (o porteiro) pede para tomar banho logo. É que parou de chegar água à noite e só uma das duas caixas do prédio está cheia. Ninguém sabe até quando."

Sobrevieram duas certezas. A primeira: o racionamento de água em São Paulo é fato, seja o eufemismo utilizado: "stress hídrico", "estiagem histórica", "crise de mananciais". Depois, como meu bairro faz fronteira com uma região habitada por tucanos e "formadores de opinião", logo teremos providências.

Dito e feito. Em tempo recorde, convocaram-se "mortos' para aumentar o volume da Cantareira.

[O PRÉ-SAL TUCANO É O PRÉ-LAMA DA CANTAREIRA] (lido no portal "Conversa Afiada")



Estranho como praticamente sumiram as ressalvas ao tal "volume morto". Reportagem do UOL, do "Grupo Folha", alerta sobre possíveis consequências: metais pesados dessa reserva podem prejudicar o sistema nervoso, fígado, rins e até provocar câncer. O uso deste volume pode esgotar a água da bacia dos rios e prejudicar o ecossistema.

E ainda: o custo do tratamento da água é maior, podendo ser até 40% mais caro e resultar em aumento da conta em 2015 (informações completas, gráficos incluídos

Para quem duvida do tamanho do problema, no domingo (18), o "Estado de São Paulo", que pode ser acusado de muitas coisas, menos de ser petista, traz duas páginas mostrando regiões da cidade que há 30 anos sofrem com a falta d'água. A jornalista Ana Carolina Sacoman acrescenta: embora more a apenas 11 km da praça da Sé, há mais de uma semana seu prédio recebe água só duas horas por dia.

Tudo não passaria de "caprichos da natureza" se o colapso não fosse anunciado. Em metade da região metropolitana, São Paulo convive com a perda física de água de 45% no caminho que vai da represa ao consumidor. Pelo menos desde maio do ano passado, o nível do sistema Cantareira vem definhando. O que foi feito? A SABESP, controlada pelo Estado, não explica. Em compensação, os moradores receberam um encarte com o pomposo nome de "Relatório Anual de Qualidade da Água" relativo a...2013! Talvez porque não tenha sobrado água nem para fazer exames mais recentes.

É praxe marqueteira tentar desqualificar adversários comparando crimes. Ah, se eu roubei, você também roubou, se eu cometi desmandos, você também andou fora da linha. O objetivo é buscar a soma zero: se todos são meliantes, vamos falar de amenidades.

Como não sou marqueteiro, decididamente a prática não me atrai. Por exemplo: em nenhum momento compactuo com roubo de dinheiro público, maracutaias em estatais federais, estaduais e municipais. Tampouco avalizo alianças espúrias apenas para garantir votos.

A tática, no entanto, ajuda a aferir a credibilidade dos contendores. O PSDB, nos últimos 20 anos, tem o Estado como sua principal vitrine. E o que se vê não é bom. A própria SABESP é alvo de inúmeras denúncias de procedimentos esquisitos, como vem alertando o sempre atento repórter Fábio Serapião.

Suspeita-se que muita gente encheu o bolso em velocidade similar ao esvaziamento de reservatórios.

Do Metrô, nem é preciso falar. O dado clássico de comparação é a Coreia, que no mesmo tempo de existência construiu 287 quilômetros de trilhos ante 74 km aqui.

Enquanto isso, um conselheiro do Tribunal de Contas (de Contas!), braço direito do PSDB paulista, é pilhado com somas milionárias no exterior relacionadas ao escândalo Metrô-CPTM.

Responde que tudo não passa de perseguição e continua lá fazendo as contas dele com o dinheiro do povo. Quer mais? Um ex-diretor da Companhia de Processamento de Dados é investigado sob acusação de favorecer o caixa tucano.

Saiu-se ao estilo dos velhos anões do Orçamento. Alega ter "ganhado R$ 26,5 milhões na loteria"...

A defesa da ética na política é um dos bordões preferidos da oposição. De palavra, não há quem discorde disso. Mas, pelo jeito, o que anda em falta mesmo, além da água, é vergonha na cara".

FONTE: artigo de 
Ricardo Melodo, colunista da "Folha de São Paulo". Transcrito no blog "Os amigos do Presidente Lula" (http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com.br/2014/05/o-racionamento-da-verdade-em-sp.html). [Subtítulo entre colchetes e imagem do google adicionados por este blog 'democracia&política'].

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