sexta-feira, 31 de maio de 2013

O DESENVOLVIMENTO CHINÊS

[Acelerador de partículas, o SSRF - Shangai Synchrotron Radiation Facility, ou acelerador de partículas de Xangai, que já nasce como a maior plataforma de pesquisas na China na área de física, biologia e materiais. Fonte: Google/Site Inovação Tecnológica - 04/05/2009]

Por José Luís Fiori

"As happened with other great powers, China seems to be following a technological road where the search for modern defense systems constitutes a primum mobile for national scientific endeavors and modern technologies". [N. Trebat e C. A. Medeiros, "Military modernization in Chinese Technical Progress and Industrial Innovation", 2013, p: 25 (1)]

É visível, a olho nu, que a liderança da inovação tecnológica se concentra nos países com maior poder dentro do sistema internacional. E que os países que ocupam posições inferiores acessam as tecnologias de "ponta", por meio da cópia, da importação ou de pequenas adaptações incrementais, mediante pagamento de "direitos de propriedade intelectual". Por isso, invariavelmente, os países que se propõe mudar sua posição dentro da hierarquia internacional também mudam, em algum momento, seu sistema de pesquisa e inovação. Como vem acontecendo com a China, segundo estudo recente dos professores N. Trebat e C. Medeiros, que demonstra que os chineses estão deixando para trás a "cópia tecnológica" e estão se aproximando rapidamente do modelo americano, onde o "sistema de defesa" do país ocupa lugar central no seu "sistema de inovação".

AS GRANDES INOVAÇÕES VIERAM DA ESTRATÉGIA DE DEFESA E DA PREPARAÇÃO PARA A GUERRA, NÃO REGIDOS PELAS FORÇAS DE MERCADO

Nos EUA, a mudança se acelerou durante a II Guerra Mundial, com a criação do “National Defense Research Council” (NDRC), que foi responsável pelo “projeto Manhattan” e pela criação da primeira bomba atômica, e pela reorganização da pesquisa cientifica dentro das universidades e das empresas privadas reunidas dentro de um mesmo "complexo-militar-industrial-acadêmico" de pesquisa e inovação, orientado pela competição militar com a União Soviética.

Donde se possa dizer, hoje, que a Guerra Fria foi responsável - em última instância - pelos principais avanços tecnológicos americanos da segunda metade do século XX, no campo aeroespacial e da energia nuclear, da computação, das fibras óticas e dos transistores, assim como da química, da genética e da biotecnologia. Em todos esses setores, a estratégia de defesa americana funcionou como primeiro motor na criação das tecnologias "duais" que revolucionaram a economia mundial. Hoje, a "Agência de Projetos Avançados de Pesquisa em Defesa" (DARPA) - que responde ao Departamento de Defesa dos EUA - conta com orçamento de mais de US$ 3 bilhões, e financia investigações em todo e qualquer setor considerado estratégico para a segurança americana, independentemente do seu objeto específico, bastando se propor "inovações radicais" na fronteira do conhecimento humano.

No caso chinês, a inflexão começou nos anos 90, depois da Guerra do Golfo, quando a China reconheceu a necessidade de modernizar seu sistema de defesa e mudou o rumo da sua pesquisa científica e tecnológica, adotando, progressivamente, o modelo norte-americano de integração da academia com o setor publico e privado, na produção de "tecnologias duais" capazes de dinamizar, ao mesmo tempo, a economia civil chinesa.

O passo inicial foi dado, ainda na década de 80, com a criação da "Comissão de Ciência, Tecnologia e Indústria, para a Defesa Nacional", mas o verdadeiro salto aconteceu depois de 1990, quando foi criado o "Programa 863" de financiamento à pesquisa de "ponta" e, depois de 2001, quando foi lançado o "Projeto de Segurança Estatal 998", com objetivo explícito de desenvolver a capacidade chinesa de contenção das forças norte-americanas no Mar do Sul da China.

Entre 1991 e 2001, o gasto militar chinês cresceu 5% ao ano, e entre 2001 e 2010, 13%. Hoje, a China possui o segundo maior orçamento militar do mundo, mas o que importa, neste caso, é que os gastos com a "defesa" já alcançam cerca de 30% de todo o gasto governamental com pesquisa e inovação, e foram os grandes responsáveis pelo avanço dos chineses nos últimos anos, na microeletrônica, computação, telecomunicação, energia nuclear, biotecnologia, química, e no campo aeroespacial. Mais recentemente, o "Plano de Desenvolvimento Nacional Científico e Tecnológico de Médio e Longo Prazo", para o período entre 2006 e 2020, aumentou a tônica no desenvolvimento das tecnologias "duais", e na importância da conquista da autonomia militar da China. E apesar de que os chineses sigam utilizando tecnologias importadas, a verdade é que eles obtiveram avanços notáveis nestas últimas duas décadas. Nesse sentido, o novo caminho tecnológico da China parece reforçar verdade antiga e obliterada sistematicamente pela "ciência econômica": que o ritmo e liderança da pesquisa e inovação de "ponta", nos países que lideram a hierarquia internacional, não são determinados pelas forças de mercado. Nestes casos - e cada vez mais - as grandes inovações vieram de sua estratégia de defesa e de sua permanente "preparação para a guerra". Goste-se ou não, foi sempre assim, e ainda mais, no caso dos Estados nacionais que criaram e lideraram, ou lutaram pela liderança do sistema interestatal capitalista, através do séculos.”

NOTA:  (1) N. Trebat e C. A. Medeiros, "Military modernization in Chinese Technical Progress and Industrial Innovation", paper, "World Keynhes Conference", Izmair Economics University, junho de 2013.


FONTE: escrito por José Luís Fiori, professor titular de economia política internacional da UFRJ, autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo". Publicado no jornal “Valor” e transcrito no portal de Luis Nassif  (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/sobre-o-desenvolvimento-chines-por-jose-luis-fiori-0). [Imagem do Google e sua legenda adicionadas por este blog ‘democracia&política’].

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