sexta-feira, 27 de abril de 2012

MÁRIO SOARES: “A NOVA TIRANIA EUROPEIA”


Por Brizola Neto

“Para quem leu o que postamos aqui sobre França e a crise europeia é preciosa a leitura da entrevista publicada quinta-feira (26) em ‘O Globo’ pelo veterano Mário Soares, um dos líderes do que foi, um dia, a social-democracia daquele continente. E que, infelizmente, concedeu tanto á ideologia neoliberal que, hoje, não serve de referência para a mudança de paradigma que Soares aponta como essencial para o fim desta crise. Que outras vozes lúcidas, como a dele, façam, se puder, recuperar sua identidade.

LÍDER CIVIL DA REDEMOCRATIZAÇÃO ABANDONA COMEMORAÇÕES OFICIAIS DA “REVOLUÇÃO DOS CRAVOS”

“Mandado ao exílio pela ditadura de António de Oliveira Salazar, Mário Soares chegou a Lisboa três dias depois de os militares tomarem o poder na “Revolução dos Cravos”. Tornou-se líder civil do restabelecimento da democracia portuguesa.

Trinta e oito anos depois, completados na quarta-feira (25), não vai participar das comemorações oficiais da data e sugere, aparentemente esperançoso, que um novo levante está por vir. “É um governo que se preocupa muito com a austeridade. Está, sobretudo, olhando para números e para o dinheiro, descuidando, ignorando completamente as pessoas".

”Fundador do Partido Socialista — a segunda força política até hoje no país —, Soares foi o chefe de governo do “I Governo Constitucional pós-Salazar” e o primeiro presidente diretamente eleito desde então. Foi, também, o primeiro governante português a pedir um empréstimo ao FMI e acusa o atual governo — o terceiro a fazer o mesmo — de se distanciar dos ideais do 25 de abril de 1974.

Em entrevista ao GLOBO, por telefone, discorrendo com a habilidade de cerca de 70 anos de vida política, o responsável por colocar Portugal na “Comunidade Econômica Europeia” alerta para o risco de “grande decadência” do continente.

O GLOBO: Em que o atual governo está distante dos ideais do “25 de Abril”?

MÁRIO SOARES: Estão destruindo o “Sistema Nacional de Saúde”, criando problemas sérios ao operariado, às pessoas e aos sindicatos. E é um governo que se preocupa muito com a austeridade, olhando, sobretudo, para números e dinheiro e descuidando, ignorando completamente as pessoas.

O desemprego chegou a 14%, mas pode subir mais e há pessoas que estão até passando fome. Isso é um fato e está na lógica contrária do que foi a política depois do 25 de abril de 1974. Tínhamos um pacto social, lançamos o “Serviço Nacional de Saúde” e tratamos os sindicatos sempre com respeito absoluto.

Os militares de abril se portaram duas vezes muito bem, porque fizeram a revolução, cumpriram a promessa de realizar as eleições e abandonaram o poder. Depois disso, houve uma tentativa dos comunistas, da extrema-esquerda radical, de fazer de Portugal uma Cuba europeia e eles se opuseram pela segunda vez e impediram uma guerra civil. E eles tomaram essa posição (de não participar das manifestações, anunciada pela “Associação 25 de Abril” na segunda-feira) porque acham que não faz sentido ir a uma cerimônia em que os oradores e as pessoas estão lá de uma maneira geral nos sentidos do atual governo. E eu me associei a eles porque sou amigo deles. Sou solidário com a posição deles.

A mobilização cívica em Portugal de hoje pode levar a um levante semelhante ao de 38 anos atrás, restabelecendo esses ideais?


SOARES: Neste momento, há um grande descontentamento na sociedade portuguesa, mas há uma posição pacífica, eu espero que continue a ser pacífica. Mas as pessoas estão protestando e acham que vamos mal. No fundo, é problema que transcende Portugal, é problema europeu. É o mesmo que está acontecendo na França, o mesmo que está acontecendo em outros países.

E o senhor acha que há mobilização cívica suficiente para inverter essa lógica que causa tanto descontentamento?


SOARES: Eu penso que não é uma coisa imediata, mas que, daqui a um tempo, isso vai acontecer.

A carta da “Associação 25 de Abril” considera que Portugal se tornou, hoje, um protetorado dentro da União Europeia. O senhor acredita que Portugal perdeu soberania a esse ponto?


SOARES: É evidente que perdeu soberania. Não foi só Portugal, foram Espanha, Itália, tudo. Neste momento, nós temos um problema na Europa muito sério. A Europa ou muda de paradigma, ou vai entrar em grande decadência. Não é problema só português, é de toda a Europa.”

FONTE: postado por Brizola Neto em seu blog “Tijolaço”  (http://www.tijolaco.com/soares-e-o-nova-tirania-europeia/)

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