sábado, 24 de março de 2012

França: DIREITA XENÓFOBA TENTA LUCRAR COM CRIMES DE MOHAMED MERAH

 
Mohamed Merah

O artigo é de Eduardo Febbro, de Paris

“Mohamed Merah atirou-se duas vezes ao vazio. A primeira, quando entre 11 e 19 de março baleou três soldados para vingar-se da participação de soldados franceses no Afeganistão e depois investiu contra uma escola judaica de Toulouse e assassinou quatro pessoas, entre as quais havia crianças de seis, oito e 10 anos. A segunda, quando se atirou do banheiro no momento em que as unidades de elite entraram no apartamento no qual estava entrincheirado há mais de 32 horas.

A imprensa francesa, em especial o semanário “Le Point”, havia lançado seus farejadores em direção dos grupelhos neonazistas como responsáveis da dupla matança do sul da França. A identidade do assassino é radicalmente oposta. Mohamed Merah não é um membro da extrema direita, mas um franco-argelino que reivindica sua participação na Al-Qaeda e que assassinou sete pessoas em nome de uma dupla e descomunal vingança.

O fio condutor do descobrimento da identidade do assassino foi a internet e uma moto. Um levou ao outro pouco antes de um novo atentado. Segundo as autoridades, Mohamed Merah “planejava matar hoje”. A polícia cercou sua casa durante 32 horas. Merah prometeu se render várias vezes, mas às 22h45min decidiu que iria morrer com as armas nas mãos. No começo da tarde, lançou-se ao assalto e atirou-se por uma janela do banheiro. Continuou disparando enquanto caía e foi alcançado por uma bala na cabeça. “Encontramos ele morto no chão”, disse o ministro do Interior francês Claude Guéan.

O suposto autor dos assassinatos não só destruiu muitas vidas em sua trajetória mortal, mas também dinamitou o processo democrático que estava se desdobrando com vistas às eleições presidenciais de abril e maio próximos – primeiro e segundo turno. A sombra do terrorismo de corte islâmico e sua sequela de acusações, a recuperação política do drama por parte da ultradireita xenófoba, as acusações cruzadas e um sem fim de insensatezes irromperam na campanha junto à dor humana pelos crimes cometidos.

Logo após o anúncio da morte de Mohamed Merah, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, anunciou uma bateria de medidas repressivas para fechar o caminho ao terrorismo. Todos pagaram por um fundamentalista. “De hoje em diante, qualquer pessoa que consulte de forma regular portais da Internet que façam apologia ao terrorismo ou que chamem ao ódio ou à vingança será castigada penalmente. Qualquer pessoa que viaje ao exterior para doutrinar-se com ideologias que conduzem ao terrorismo será castigada penalmente. A propagação e a apologia de ideologias extremistas serão reprimidas mediante um delito que figura no código penal e com os meios com que já contamos na luta antiterrorista”, disse Sarkozy.

Mohamed Merah
A moto foi o símbolo errante que conduziu ao jihadista francês. No começo de março, Merah respondeu um anúncio publicado na internet por um soldado que queria vender sua moto. Marcou um encontro com ele e o assassinou. A polícia investigou cerca de 700 conexões de internet através dos endereços IP – a carteira de identidade do computador — que haviam se conectado com o portal do anúncio. Assim, a polícia descobriu o nome de uma mulher, mãe de dois filhos que estavam sob a vigilância dos serviços de segurança, Adbelkader Merah, um homem conhecido por levar mujahidin para combater no Iraque, e seu irmão Mohamed, que tinha 15 condenações pelo Tribunal de menores de Toulouse. O segundo indício do mistério também é uma moto: a polícia encontrou uma concessionária Yamaha a qual Merah havia procurado para perguntar como se desativava o ‘tracker”, dispositivo eletrônico utilizado para localizar as motos roubadas.

Segundo detalhou o ministro do Interior francês Claude Guéan, o assassinato dos militares de origem magrebina e o ataque contra o soldado com origem nas Antilhas não foram perpetrados por uma escolha étnica. Guéan disse que o jihadista “queria atacar o exército francês” devido a sua presença no Afeganistão. Os três militares assassinados integravam o décimo-primeiro e o décimo-sétimo regimento de paraquedistas e ambas as unidades participaram na guerra afegã. Quanto ao terceiro e último ato, o mais cruel, o mais baixo ato de barbárie, o assassinato das crianças, Guéan assegurou que foi "em vingança pelas crianças palestinas, pelo avanço militar francês no Afeganistão e pela proibição da burka na França”.

Segundo revelou o Promotor de Paris, François Molins, Mohamed Merah preparava-se para matar outro soldado na quarta-feira (21) e mais dois policiais nos dias seguintes. Molins assegurou, também, que o suposto terrorista vangloriou-se de ter sido formado pela Al-Qaeda, de haver “atuado sempre sozinho” e de ter posto “a França de joelhos”. Também lamentou não ter conseguido “causar mais vítimas”.

Até a queda de Merah, Nicolas Sarkozy respeitou a consigna adotada desde o princípio da semana: interrupção da campanha eleitoral junto com seu rival socialista François Hollande e união nacional. Mas a campanha volta à cena na mesma quinta-feira e, com ela, a disputa por tentar lucrar com o drama. Marine Le Pen, a candidata da ultradireitista Frente Nacional, saiu a conclamar a guerra contra o “risco fundamentalista”, risco que, disse ”foi subestimado”.

Os golpes baixos da política recuperam o terreno perdido nesses dias de horror, inquietude e incompreensão coletiva. Os muçulmanos temem hoje, com justa razão, que as enlouquecidas incursões assassinas de Mohamed Merah sejam utilizadas contra eles. A confusão entre o Islã e fundamentalismo islâmico é fácil de fazer com o medo como aliado. “A religião muçulmana é 99% pacífica”, lembrou o reitor da grande Mesquita de Paris, Dalil Boubakeur. O herdeiro de Bin Laden destruiu vidas, fez muito dano aos muçulmanos da França e não tardará em reforçar o discurso da ultradireita assim como a influência da direita mais dura do partido governamental UMP.

PASSAGENS PELA ÁSIA CENTRAL

A pergunta que fica em suspenso consiste em saber se Mohamed Merah realmente atuou sozinho segundo o que os especialistas chamam de “autorradicalização” ou se obedeceu a uma ordem. As incertezas e as aproximações são difíceis de tratar em seu caso. A imprensa francesa assegura que Mohamed Merah forma parte de importante grupo de cidadãos europeus que, a partir dos anos 90, começou a viajar à Ásia Central – Afeganistão e Paquistão — para treinar nas bases da Al-Qaeda.

Vários especialistas e membros dos serviços secretos argumentaram na imprensa que o jihadista francês pertencia à versão mais temida dessa geração, ou seja, a do “lobo solitário” que se radicaliza e passa à ação fora das redes e das cadeias de comando. Segundo o “Le Monde”, Mohamed Merah viajou duas vezes ao Paquistão, em 2010 e 2011, onde integrou os grupos de combatentes estacionados nas zonas tribais paquistanesas fronteiriças com o Afeganistão (zonas semiautônomas) e onde estão instalados os Tehrik-e-Talibã (Movimento dos talibãs no Afeganistão) TTP. O vespertino relata que ali se juntou com jihadistas estrangeiros e atravessou a fronteira com o grupo de Haqqani para combater no Afeganistão contra os soldados da OTAN que ocupam o país desde a queda dos talibãs (2001).

A mesma fonte afirma que Mohamed Merah esteve no sul do Afeganistão, na província de Kandahar, bastião dos talibãs, e em Kabul. O TTP colabora estreitamente com a Al-Qaeda e conta com cerca de cem campos de treinamento ao longo da fronteira afegã paquistanesa, em especial no Waziristan. Em maio de 2011, o TTP reivindicou, por exemplo, o atentado fracassado na “Times Square”, em Nova Iorque.

Ghulam Faruq, responsável pelo sistema penitenciário da região de Kandahar, disse à agência norte-americana de notícias Reuters que Merah havia sido preso por fabricar artefatos explosivos e foi condenado a três anos de prisão em 2007. Segundo esse interlocutor, Merah escapou da prisão afegã com outros 400 talibãs. Mas essa informação foi imediatamente desmentida pelas autoridades provinciais de Kandahar. Esteve ou não esteve no Paquistão e no Afeganistão? A resposta não é categórica. Segundo o promotor de Paris, François Molins, Merah foi a ambos os países em 2010 e 2011. Molins detalhou que o jihadista francês “foi sem passar pelas redes conhecidas, com seus próprios meios". Parece que não.

O Afeganistão, as forças da OTAN e o Paquistão desmentiram essas afirmações: ninguém o conhece, ninguém o prendeu, ninguém nunca escutou falar dele. Os serviços de inteligência ocidentais argumentam que existem “muitos caminhos terrestres seguros” para passar sem ser detectado. Outro mistério igual ao da personalidade de Mohamed Merah. Seus amigos e seu ex-chefe o descrevem como um homem afável e doce. O destino humano é um mistério. O de Mohamed Merah não escapa dessa regra. Como um vagabundo delinquente de uma tranquila cidade do sul da França se converteu em um “mujahidin” assassino? A história completa ainda não está escrita”.

[OBS deste blog ‘democracia&política”: Sarkozy lucrou eleitoralmente com esse episódio. Ele é direitista, forte aliado dos Estados Unidos e filho de judia. Assim, a imprensa internacional e brasileira, servil aos interesses dos EUA e Israel, sempre o apoia e protege.

Um exemplo pitoresco e cômico dessa proteção foi a entrevista à imprensa que ele concedeu bêbado. Abafaram. Não houve repercussão na mídia, somente no YouTube. Imaginemos como seria diferente se fosse o ex-presidente Lula]



[Vários outros filmes sobre o tema podem ser encontrados no YouTube fazendo-se busca com “French president Nicolas Sarkozy drunk”.

O evidente também nesse episódio desta semana em Toulouse foi a ridiculamente tendenciosa comoção da França e do mundo. Menos de uma semana antes, soldado(s) das forças invasoras no Afeganistão, das quais a França faz parte, matou(mataram) nove crianças afegãs e oito adultos “num acesso de fúria”, segundo justificam. Não houve essa comoção na França. Outro exemplo de incoerência: quase semanalmente, tropas invasoras de Israel matam várias crianças palestinas, mas não há qualquer manifestação de condenação a essas ações israelenses, até mesmo justificadas como “represália” a algum ato hostil de patriota palestino resistente à invasão e à usurpação de suas terras e fontes de água. Não deveria haver reações diferentes. Para mim, qualquer assassinato, especialmente de crianças, é condenável, é crime hediondo, sejam elas judias, afegãs, palestinas etc].

FONTE: artigo de Eduardo Febbro, de Paris, publicado no site “Carta Maior” com tradução de Libório Junior  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19812) [imagens do Google, vídeo e observação final entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

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