quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

APÓS O CONSUMO INTERNO, A POUPANÇA INTERNA


Por Fernando Brito

O BRASIL REDESCOBRIU O ÓBVIO

“A frase que o economista estoniano Ragnar Nurkse cunhou e que Barbosa Lima Sobrinho tornou célebre por aqui em seu livro sobre o desenvolvimento do Japão: “O capital se faz em casa”.

Capital é acumulação que se transforma em reprodução.

E a história recente da economia brasileira é a antítese da acumulação.

A riqueza produzida sempre foi drenada – e ainda o é – em larga escala pelos mecanismos financeiros, que consomem vorazmente os frutos da natureza e do trabalho.

E a resposta a isso, igualmente, foi a mesma durante anos a fio: sacrifícios e paralisia econômica, para que sobrem mais recursos para os drenos finaneiros.

Na segunda metade do período Lula, mudou a resposta: em lugar de arrocho, mais renda, mais consumo, mais crédito, mais produção, mais emprego.

Mas a pergunta ainda é a mesma: quem e como se vai acumular capital no país das perdas internacionais, dos vasos comunicantes com o mundo exterior, da vulnerabilidade ao sobe e desce – e com ciclos cada vez mais rápidos de crise, um mundo financeirizado?

Uma das respostas é sabida, da boca para fora, por todos: o conhecimento – o know-how dos anos 60 – que os países que se desenvolveram na segunda metade do século 20 “contrabandearam” não apenas com o envio de dezenas de milhares de jovens (e nem tão jovens) às sedes do saber tecnológico e industrial. Índia e China há muito tempo lançaram mão deste recurso. A primeira para a antiga metrópole inglesa e, daí, com a facilidade da língua, para o EUA. Já a China, como assinala Delfim Netto esta semana na revista “Carta Capital”, “mantém 200 mil chineses estudando em universidades e cursos científicos no exterior, aproximadamente 80% nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra”.

Aí está o primeiro ponto de acumulação do capital: o cérebro de seus cidadãos, transformado pelo apoio estatal em ferramenta de produção, administração e de inovação em ciência e tecnologia.

O segundo é a capacidade de financiar um projeto de desenvolvimento industrial, para o que temos sido, ao longo do tempo, escravos ou do capital internacional e do capital financeiro nacional, através do sistema bancário.

O Estado brasileiro, para ter recursos, precisa se financiar no mercado de títulos – caríssimo – e reemprestá-los, a valores mal-e-mal remunerados por taxas de juros mais baixas, ao setor industrial, porque a nossa poupança interna, pela escassez de excedentes de renda e pela volatilidade marcante de nosso mercado financeiro, sempre esteve muito abaixo no necessário para financiar um processo consistente de desenvolvimento.

Um fenômeno, aliás, agravado desde a Constituição de 1988, quando os impostos únicos que vigiam em setores estratégicos - combustíveis e energia elétrica, sobretudo - passaram a partilhar mais intensamente com estados e municípios os recursos que só a União recolocaria como investimentos.

Algo que se repete, como todos veem, nesta questão dos royalties, onde todos, produtores ou não, apontam no “depenamento” da União como forma de superação dos impasses em torno de sua sede de recursos imediatos.

Agora, a ascensão social de uma enorme parcela da população para a classe média e a satisfação crescente das necessidades de consumo que isso traz – eletroeletrônicos, automóveis, turismo – já produz um interessante fenômeno: a disposição da população em poupar.

Os sinais têm sido vários.

A “Sondagem de Expectativas do Consumidor” da Fundação Getúlio Vargas apontou que quase um quarto dos brasileiros (23,4%) está economizando. Hoje, a Folha revela que, numa pesquisa dobre intenções econômicas, 58% afirmaram que desejariam poupar.

O mais significativo, porém, pode ser o volume de vendas dos títulos públicos pelo Tesouro Direto, que permite o investimento direto em títulos públicos, praticamente sem que os bancos sejam utilizados, senão os operadores da compra. Elas quase dobraram em janeiro deste ano (R$ 616 milhões), se comparadas ao do mesmo mês em 2011 quando foram de R$ 360 milhões, e quase o triplo dos R$ 212 milhões de 2010.

E, agora, com uma parcela ínfima (7,3 %) indexados à Taxa Selic, os juros de “mercado”.

O gráfico acima deste post mostra a evolução gigantesca da “poupança”, que pode representar o que a “caderneta”, certa época, significou para a construção civil.

O caminho para a criação de fundos de investimento destinados a financiar projetos estatais em áreas de retorno a longo prazo – refino de petróleo, geração elétrica, infraestrutura em geral – com benefícios fiscais, garantia pública e limites de aplicação – para que não se tornem manás para especuladores, claro – está se abrindo e é preciso trilhá-lo, inclusive com a sua capitalização inicial realizada por mecanismos fiscais – usando adicionais de impostos, como o IOF extra-aplicado aos especuladores do câmbio, ou aportes provisórios de caixa do próprio Tesouro.

O Japão, ao se “globalizar” à força dos canhões da flotilha do comodoro Mathew Perry, não teve uma elite como a nossa, que saiu a imitar o dominador neocolonial. Ao contrário, absorveu o que ele trazia de tecnologia e avanço, não de ideologia. E sob o comando do Estado, muito antes que a União Soviética proclamasse o conceito de planejamento estatal.

Se o Brasil precisa de capital – e precisa – não é possível querer que, também nele, nosso caminho não seja o da democratização, do limite aos privilégios e o de transformá-lo, como fruto do trabalho e da natureza do país, em instrumento da grande maioria dos brasileiros.”

FONTE: escrito por Fernando Brito no blog “Projeto Nacional”  (http://blogprojetonacional.com.br/apos-o-consumo-interno-a-poupanca-interna/) [Imagem do google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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