domingo, 30 de maio de 2010

A CRISE E AS NOVAS FORÇAS POLÍTICAS (E AS NEM TÃO NOVAS ASSIM)

por Luiz Carlos Azenha

"O Viomundo acha a cobertura internacional da mídia brasileira bisonha. Por uma combinação de ignorância, preguiça, preconceito ideológico, falta de leitura e de contextualização histórica.

O Robert Fisk tratou melhor disso do que eu o faria, ainda que chegasse aos 100 anos de idade.

O Viomundo está de olho em duas tendências internacionais. O avanço do fascismo nos Estados Unidos, detectado pela Sara Robinson, entre outros. Trouxe a tradução de um artigo dela para o Viomundo novo, está aqui.

Essa tendência não se manifesta através de um novo Mussolini, mas de uma mulher que usa iphone e óculos Gucci, a Sarah Palin. E do Tea Party, o movimento neofascista que ganhou força com a eleição de Barack Obama, sobre o qual falei superficialmente aqui.

Anteriormente eu já havia opinado que o neofascismo dispõe de ferramentas para disseminar suas ideias como nunca existiram antes: twitter, mensagens de texto, etc. Retire um jovem contemporâneo do contexto histórico e ele será um candidato ideal a propagador do neofascismo, por causa da impulsividade dos jovens e da adesão de muitos deles às causas emocionais.

E o neofascismo vive disso: de causas emocionais. Do nós contra eles. Do maniqueísmo. Da transformação da política em sloganismo.

Da escolha de inimigos a serem odiados (como Evo Morales, o presidente da Bolívia, promovido a neodiabo pela campanha preconceituosa de José Serra contra os bolivianos).

É por isso que quando jovens jornalistas pedem que eu lhes dê algum conselho — pobres deles, não sabem o que fazem –, eu digo: leiam livros de História. Leiam sobre a ditadura militar no Brasil. Leiam sobre Getúlio Vargas. Leiam sobre a Segunda Guerra Mundial. Leiam sobre o colonialismo na África, na Ásia e na América Latina. Busquem autores além dos centros óbvios de poder: Nova York, Paris e Londres.

A segunda tendência que o Viomundo acompanha de perto é a repercussão da crise econômica na política internacional. Podemos dizer sem medo de errar, por exemplo, que o Tea Party estadunidense tira proveito do ressentimento popular com o fato de que o governo Obama resgatou Wall Street com fartos recursos públicos mas foi menos generoso com aqueles que perderam suas casas.

Agora, na Europa, duas coisas muito interessantes estão acontecendo: o surgimento de partidos que usam formas não tradicionais de mobilização e abandonaram a dicotomia capitalismo vs. socialismo dos tempos da guerra fria; e o ressurgimento de forças políticas que tiram proveito do fato de que a globalização beneficiou de forma desigual os europeus. Dentro da União Europeia, a crise aprofundou a distância entre alemães e gregos e deixou explícita a desigualdade de poder entre os dois países na comunidade.
Fora dela, está cada vez mais claro que o neoliberalismo adotado no Leste Europeu pós-colapso da União Soviética não trouxe os avanços pretendidos (era o caminho, se dizia na época, para que os europeus do Leste alcançassem o padrão de vida de seus vizinhos a Oeste).

Pode-se dizer que as novas formas de mobilização a que aludi acima foram primeiro utilizadas na Europa a partir das iniciativas bancadas pelo National Endownment for Democracy (NED), que podemos definir grosseiramente como o braço civil da Central de Inteligência Americana, criado durante o governo de Ronald Reagan. O NED, que conta com apoio dos partidos Republicano e Democrata, de organizações sindicais e de empresários dos Estados Unidos e com financiamento aprovado pelo Congresso, se dedica a “promover a democracia”, obviamente sempre a democracia pró-Estados Unidos.

Teve um papel importante nas chamadas “revoluções” do Leste Europeu, mobilizando jovens através de slogans de fácil propagação, de flash mobs e outras formas de organização via internet, redes sociais e twitter. Tratei disso em vários post no Viomundo antigo, que em breve republicarei aqui.

Fiquem, agora, com um exemplo do múltiplo impacto político da crise econômica, neste caso na República Checa. Antecipo que os números preliminares da eleição checa mostram que os comunistas obtiveram cerca de 12% dos votos e que a surpresa foi o TOP 09, com cerca de 15% dos votos. As forças tradicionais do país obtiveram 23% (Social Democratas) e 19% dos votos (Democratas Cívicos). Mas o que me interessa aqui são os métodos utilizados por essas novas forças políticas:

COMUNISTAS CHECOS ESPERAM UM RETORNO AO PASSADO GLORIOSO


Herald Tribune, May 29, 2010, Dan Bilefsky, de Praga

“É um sinal da contínua influência do Partido Comunista aqui: um vídeo de grande popularidade chamado “Convença a Vovó” pede a jovens checos que não visitem os avós a não ser que eles concordem em não votar em partidos de esquerda como o comunista nas eleições deste sábado.

Seguindo o modelo de um vídeo da humorista Sarah Silverman, chamado The Great Schlep, que em 2008 apelou sarcasticamente a jovens eleitores judeus para que convencessem seus avós a apoiar Barack Obama no estado decisivo da Flórida, a versão checa também é crítica.

“Se os seus avós votarem na esquerda, diga a eles que espera podê-los encontrar vivos na próxima visita”, uma jovem atriz diz, quando uma imagem de um túmulo aparece na tela. O vídeo implora para que os jovens não se esqueçam das transgressões insidiosas dos antigos regimes comunistas, do exílio dos principais intelectuais e artistas à execução de inimigos políticos.

Os criadores do vídeo — a maioria de um grupo de amigos jovens e conservadores — dizem que o “Convença a Vovó”, que já teve 600 mil acessos desde que foi postado no You Tube um mês atrás, era uma arma necessária contra a ascensão de um Partido Comunista não-reformado, que as pesquisas recentes mostram poderá obter até 15% dos votos.

Em uma eleição que provavelmente não vai dar maioria aos Social Democratas de esquerda ou ao direitista Democratas Cívicos, analistas dizem que o Partido Comunista poderia se aproximar do poder como nunca desde que a Revolução do Veludo derrubou o comunismo em 1989.

“Nós odiamos os comunistas”, disse Marek Prchal, de 35 anos, um executivo de propaganda que ajudou a criar o vídeo. “Os comunistas deveriam ter sido banidos faz tempo”. Ele argumentou que se o socialismo fosse autorizado a prevalecer, a República Checa correria o risco de se tornar “a Grécia da Europa Central”.

Analistas dizem que o Partido Comunista está se beneficiando de uma reação regional na qual os eleitores estão expressando seu descontentamento com o fracasso das revoluções de 1989 em cumprir suas promessas.

“O tema em toda a região é a política do descontentamento”, disse Anna Matuskova, uma analista política. “Na República Checa há uma nova geração com iPhones que não se lembra do comunismo e vai votar no partido como forma de protesto”.

O Partido Comunista neste país continua sendo o único que sobreviveu no antigo Bloco do Leste e para muitos de seus críticos é um anacronismo perigoso.

Analistas dizem que os Social Democratas e os Democratas Cívicos, desejosos de manter os comunistas longe do poder, podem se juntar em uma grande coalizão que jogaria o país em um período de indecisão. Outro cenário diz que os Social Democratas poderiam formar um governo minoritário dependente do apoio tácito dos comunistas.

Os comunistas não são o único partido que aproveita o grande descontentamento com a política de sempre e vários outros partidos poderiam se mostrar decisivos nesta eleição.

O recentemente criado TOP 09, um partido de conservadores fiscais liderado por Karel Schwarzenberg, um príncipe que fuma cachimbo e é ex-ministro das Relações Exteriores, buscou atrair eleitores mandando a eles falsas notas promissórias para deixar clara a crescente dívida do país, além de promover encontros informais em bares.

Outro novo partido, o Public Matters, liderado por um carismático jornalista investigativo, Radek John, instituiu patrulhas em Praga para remover viciados em drogas e sem-teto das ruas.

No caso do Partido Comunista, sua arma secreta é Katerina Konecna, a integrante mais jovem do Parlamento checo, de 28 anos de idade, que diz se sentir igualmente à vontade usando sapatos de salto agulha ou lendo O Capital.

Filha de ex-integrantes do Partido Comunista, a sra. Konecna diz que a recente crise do capitalismo se mostrou um incentivo aos jovens comunistas, que se sentem atraídos pelas promessas de educação gratuita e empregos garantidos.

“As pessoas preferem fazer filas para comprar banana do que ficar na fila do desemprego”, ela diz.

Ainda assim os limites para o apelo dos comunistas contemporâneos ficaram aparentes em um comício na quinta-feira diante de um dos maiores shoppings de Praga. A maior atração foi Jana Kocianova, de 18 anos, uma versão checa da Britney Spears, que cantou e rodopiou “I Will Survive”, de Gloria Gaynor, para uma plateia de senhores de 80 anos que marcavam o ritmo batendo as bengalas no pavimento.

Falando entre os números musicais, a sra. Kocianova, vestida em jeans apertados, elogiou o sentido igualitário dos comunistas, ainda que cantar para eles não tenha atraído fãs para ela na escola. “Não é cool ser jovem e apoiar o Partido Comunista”, ela lamentou. Mas acrescentou rapidamente: “Eu não vivi sob o comunismo e assim realmente nem lembro como era”.

FONTE: publicado no portal “Viomundo”, do jornalista Luiz Carlos Azenha.

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