terça-feira, 28 de julho de 2009

GOVERNO DOS EUA ESTUDA COMO SER ASSASSINO MAIS EFICIENTE

ONDE SE LÊ “TERRORISTA”, LEIA-SE “SUPOSTO TERRORISTA”

ESQUADRÃO DE TIRO - SEM O TIRO

OS INCONVENIENTES DA DIPLOMACIA DO GATILHO


WASHINGTON

Parece fácil nos filmes: a mira do atirador sobre a testa do terrorista; o explosivo plástico grudado sob o carro do espião estrangeiro; o veneno letal engolido no café da manhã de um ditador. Então talvez a maior surpresa acerca do atual furor envolvendo a Agência Central de Inteligência dos EUA -o programa secreto para matar líderes da Al Qaeda- não seja sua existência, já imaginada por muitos norte-americanos.

Nem que o ex-vice-presidente americano, Dick Cheney, tenha instruído a CIA a esconder o programa do Congresso. Cheney jamais foi acusado de ter uma abertura imprudente a respeito dos programas de inteligência. A verdadeira surpresa é que, após oito anos de intermitentes reuniões, planejamentos e treinamentos, o programa não tenha matado um só terrorista. Nem mesmo tentado, segundo funcionários da CIA.

Matar um terrorista específico em um país distante usando métodos que exijam aproximação é consideravelmente mais complicado do que a fantasia cinematográfica leva a crer. Jogar mísseis de aviões não tripulados se mostrou logística e politicamente tão mais simples que as alternativas nunca foram tentadas, segundo agentes de inteligência. A Al Qaeda colaborou ao se esconder não em cidades, mas nas montanhas do Paquistão, onde os ataques com mísseis são viáveis.

Daí que o presidente dos EUA, Barack Obama, tenha não só mantido, como também ampliado, esses ataques teleguiados iniciados durante o governo Bush. Apesar das mortes colaterais de parentes e vizinhos de supostos terroristas, e da reação negativa que esses bombardeios provocam, os aviões-robôs mantêm os agentes norte-americanos a milhares de quilômetros das mortes, o que claramente tornou essa abordagem atraente para os governos Bush e Obama.

Poucas operações são mais arriscadas do que um assassinato dirigido, mas a ideia de eliminar um inimigo contém uma simplicidade sedutora. Mesmo assim, as razões pelas quais a CIA pode ter hesitado antes de despachar uma equipe de assassinos são facilmente imagináveis por qualquer um que já tenha acompanhado as reviravoltas na história da agência. Em décadas recentes, a CIA tem sido pressionada, muitas vezes por um presidente, a realizar ações arriscadas, apenas para enfrentar investigações e condenação quando tais ações são expostas.

As maiores preocupações da CIA ao cogitar um ataque contra um terrorista no exterior podem não ser de caráter legal, segundo William Banks, professor de direito na Universidade Syracuse, em Nova York, que tem estudado os assassinatos dirigidos. Ao menos pelos cálculos do governo, a morte de um membro da Al Qaeda é um ato de guerra, não um assassinato. Um decreto presidencial de 1976 proíbe "homicídios politicamente inspirados de pessoas que não são combatentes", segundo Banks.

Para ser um alvo legal, um terrorista precisa estar "envolvido em combate armado com os EUA", acrescentou ele. "Bin Laden é o garoto-propaganda, e a partir dali você percorre para baixo a escada da Al Qaeda." Matar um alvo desses poderia ser aceitável, disse Banks, se ele estivesse em um território hostil no qual a captura fosse inviável. Mas, se o alvo está em Paris, a lei de guerra obriga os EUA a trabalharem com as autoridades francesas para capturar o suspeito. As dificuldades logísticas e o risco político de apanhar um terrorista longe de uma zona de guerra são assombrosas.

Quando a CIA capturou um clérico radical islâmico em Milão, em 2003, e o levou para o Egito, as autoridades italianas rastrearam toda a operação por meio de ligações de celulares e recibos de hotéis, levando 26 norte-americanos a um julgamento à revelia, ainda em andamento.

Outra equipe apanhou um cidadão alemão de origem libanesa na Macedônia e o levou para o Afeganistão -causando um vexame internacional para os EUA quando se descobriu que a CIA havia pego o Khalid el Masri errado. Esse currículo não exatamente encoraja os chefes da CIA a autorizarem uma equipe assassina. E, em qualquer caso, quem está familiarizado com a história da agência já tem amplas razões para a cautela.

Assassinato é uma palavra que ainda assombra a CIA. Os mais chocantes volumes produzidos pela comissão do Senado encabeçada por Frank Church em meados da década de 1970 detalhavam complôs da CIA para matar figuras políticas como o cubano Fidel Castro e o congolês Patrice Lumumba. Tais intrigas eram supervisionadas pelo Comitê de Alteração da Saúde da agência.

Mas esses esquemas eram tão ineficazes quanto escandalosos. Castro, hoje com 82 anos, sobreviveu aos que tentaram matá-lo. Lumumba foi morto por um grupo congolês rival depois que o agente da CIA que deveria assassiná-lo refugou. "As pessoas se esquecem disso agora, mas, quando o relatório Church surgiu, houve muita zombaria da CIA como sendo a turma que não conseguia atirar em linha reta", disse Loch Johnson, ex-funcionário do comitê Church.

Assassinatos dirigidos são "muito difíceis de conseguir e são politicamente tóxicos se você for apanhado", disse Geneve Mantri, que monitora programas de contraterrorismo na Anistia Internacional. "Esse estilo Jason Bourne é ótimo para os filmes, mas a história [real] é que esses casos costumam acabar em confusão."

FONTE: reportagem de Scott Shane publicada no jornal norte-americano “The New York Times” e reproduzida em 27/07/2009 pelo jornal Folha de São Paulo.

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