quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

LESSA: HAVERÁ "ENORME EXPLOSÃO DE CRIATIVIDADE"

O portal Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes, ontem publicou a seguinte entrevista com Carlos Lessa, realizada por Thais Bilenky:

“O primeiro presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) do governo Lula, Carlos Lessa, quando saiu do cargo, em 2004, disse que o brasileiro era um "povo extremamente criativo em arte de sobrevivência".

Quatro anos depois, o ex-reitor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ) aposta na "criatividade" das estratégias de defesa perante seguidas bancarrotas financeiras.

Da crise mundial, que já dizem ser econômica e não apenas financeira, deverá emergir "uma floração intelectual intensa", reflete o economista Lessa. "Acho que a explosão de criatividade artística será enorme", avalia.

Lessa foi demitido do BNDES após desencontros com o então ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. Políticos e artistas reagiram contrariamente à sua saída, entre eles o arquiteto Oscar Niemeyer, o compositor Chico Buarque, o jurista Fabio Konder Comparato, entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e CUT (Central Única dos Trabalhadores). Reunidos à época, entregaram um abaixo-assinado ao presidente Lula por sua permanência no cargo.

O economista vê a crise mundial como uma inevitável oportunidade de reformulação do capitalismo. Outras mudanças marcarão as relações interpessoais, diagnostica:

-- "Acho que o mundo vai caminhar para uma sociedade bem mais convivial. As pessoas vão dar mais importância às coisas que fazem coletivamente em espaço público. Porque as dificuldades da área privada, as pessoas vão procurar compensar, em parte, melhorando a sua participação. Em coisas que podem ser desde andar de bicicleta a passear na floresta, tomar banho de mar, bater papo com os vizinhos".

Sua análise sobre os frutos e fungos da economia mundial abrange o mercado financeiro, o poderio militar, a eleição de Obama nos EUA e o modelo brasileiro de desenvolvimento. Em todos os cenários, o homem e a recriação de um "festival de loucuras".

TERRA MAGAZINE - É POSSÍVEL ANTEVER, TALVEZ UTOPICAMENTE, UM ESPAÇO MAIOR PARA O QUE É ESSENCIAL, NO RASTRO DA CRISE?

CARLOS LESSA - A primeira coisa que você sabe, da observação de todas as crises, é que as sociedades que se recompõem têm um padrão diferente de antes da crise. Não haverá mais, provavelmente, este festival chamado globalização financeira. Não haverá mais este espetáculo de uma riqueza financeira que não guarda nenhuma relação com a riqueza real. Em termos concretos, os bancos e agentes do dito mercado de capitais são instituições hipercontroladas e não haverá mais o festival de loucuras que foram feitas no mercado de derivativos, no mercado de bolsa, nos mercados de futuro. Isso vai ser varrido do mapa. Ou seja, o mundo não mais crescerá com essa efervescência financeira.

ISSO QUE O SENHOR CHAMA DE "EFERVESCÊNCIA FINANCEIRA" A GENTE PODE CONSIDERAR...

Você tem idéia do que foi criado nestes 25 anos em matéria de fantasia financeira?

Existe uma instituição, que é uma instituição insuspeita, chamada Bank for International Settlements, que é uma espécie de banco central dos bancos centrais.

Ele estima que a produção, o PIB, de todos os países do mundo somados seja alguma coisa na ordem de 60 trilhões de dólares. Um ano de atividade econômica são 60 trilhões de dólares. Agora, ativos financeiros são as dívidas das famílias, das empresas e dos governos. Dá um total de 130 trilhões. Em relação aos derivativos, o International Settlements não sabe, porém estima conservadoramente em 640 trilhões de dólares. Tudo isso está no terreno da fantasia porque o que corresponde ao processo da economia real são os 60 trilhões de produção e os 130 trilhões de ativos financeiros, que são as compras a prazo feitas pelas famílias de eletrodomésticos, imóveis etc. São os créditos de que as empresas lançam mão para produzir ou ampliar a produção e são os financiamentos que o governo assume para realizar políticas sociais, às vezes para comprar armamentos (risos), às vezes para fazer estrada. Isso é a parte sadia do lucro. A parte que pertence à efervescência são os 640 trilhões, que ninguém sabe quanto são.

Nos EUA, já têm analistas que dizem que é um quatrilhão. Você nem consegue pronunciar isso, não é? A crise vai fazer tudo isso virar fumaça. Cada dez pontos percentuais que cai a bolsa de NY desaparece um PIB inteiro do Brasil.

O SENHOR ACHA POSSÍVEL DIZER QUE, COM O DESABAMENTO DA FANTASIA, ATIVIDADES HUMANAS MAIS ESSENCIAIS PODEM ASSUMIR LUGAR CENTRAL?

O homem não faz haraquiri. A sociedade humana não comete suicídio ritual. Se essa porcariada toda da especulação financeira levou a essa bagunça, o mundo vai se reorganizar para poder continuar a existir. Nessa reorganização, os estados nacionais serão muito importantes.

O SENHOR ACHA QUE SERÁ UM MOMENTO DE MAIS CRIATIVIDADE?

Neste momento, acho que toca a sineta de alarme em todos os lugares. Por exemplo, o novo presidente americano (Barack Obama) vai ter que se preocupar com os milhões de desempregados que vão começar a surgir nos EUA.

QUAL SERÁ A REPERCUSSÃO NA PRODUÇÃO HUMANA EM OUTRAS ÁREAS, NÃO SÓ ECONÔMICA?

Normalmente uma crise como essa gera uma floração intelectual intensa. Vem sempre aquela pergunta: "Afinal, aonde é que nós erramos?" ou "Como nós nos iludimos! Como nós somos fáceis de sermos enganados!". Acho que a explosão de criatividade artística será enorme.

ELEMENTOS DA "FLORAÇÃO INTELECTUAL" JÁ EXISTEM MAS NÃO ENCONTRAM ESPAÇO HOJE?

Pode ser. Acho que o mundo vai caminhar para uma sociedade bem mais convivial. As pessoas vão dar mais importância às coisas que fazem coletivamente em espaço público. Porque as dificuldades da área privada, as pessoas vão procurar compensar em parte, melhorando a sua participação. Em coisas que podem ser desde andar de bicicleta a passear na floresta, tomar banho de mar, bater papo com os vizinhos. Entendeu?

O HISTORIADOR ERIC HOBSBAWM DISSE QUE ERA O FIM DE UMA ERA.

Hobsbawm já falou isso 25 anos atrás.

AGORA ELE PODE ESTAR CERTO?

Deixa eu te dizer: todos os que diagnosticaram o fim do capitalismo perderam o emprego. Porque as crises vêm e o capitalismo as supera e aparece com outra configuração. Acho que muito provavelmente o que vai acontecer é uma política dos países preocupada em organizar, regular, evitar comportamentos especulativos. E provavelmente vai surgir também uma cooperação internacional para tentar enfrentar alguns problemas do tipo poluição, degradação das fontes de água...

AO DIZER QUE O DÓLAR HAVIA ACABADO, O SENHOR SE REFERE A ESTA NOVA REGULAMENTAÇÃO MONETÁRIA INTERNACIONAL?

O prelimiar de tudo isso será a criação de uma nova regra para o sistema financeiro mundial. O dólar não consegue mais segurar o papel, mas é o dólar que está aí.

E EM RELAÇÃO AO PODERIO MILITAR...

Isso não será resolvido por guerra. A crise de 1887-1890 engendrou a Primeira Guerra Mundial. A crise de 1929 engendrou a Segunda Guerra Mundial. Essa (crise) não vai engendrar nenhuma guerra.

OS EUA SUSTENTARAM POR MUITAS DÉCADAS A HEGEMONIA MILITAR.

E continuarão.

A ECONOMIA SEGUIRÁ PAUTADA PELO PETRÓLEO POR MUITO TEMPO?

Não tenho a menor dúvida. Os EUA bebem 25% do petróleo do mundo. Não têm reserva para nem cinco anos, dependem do petróleo de fora. Não vão sair do Iraque de maneira nenhuma.

MESMO APOSTANDO QUE A HEGEMONIA MILITAR DOS EUA FICARÁ INTACTA, O SENHOR VÊ A POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO DE LIDERANÇAS GLOBAIS EM OUTRO SENTIDO?

Muito provavelmente você vai ver surgir uma liderança européia bastante unificada.

Eu acho que o mundo vai acabar tendo uma moeda formada pelo dólar, pelo euro, pelo yuan chinês e pelo iene japonês. Uma espécie de moeda internacional pela qual as partes terão relação de trocas estabelecida entre elas. O mundo vai ser muito diferente, do ponto de vista de financiamento de comércio exterior.

VAI PASSAR MUITO MAIS PELOS ESTADOS?

Muito mais. O mercado criou este caos, essa bagunça.

ESSA ORGANIZAÇÃO MAIS CENTRALIZADA NO ESTADO SE REFLETIRÁ DE QUE MODO NA CULTURA?

Historicamente, a cultura tem sido muito apoiada pelos Estados.

Uma coisa é orientar a cultura, que é coisa de ditadura. Outra coisa é amparar a cultura, que é uma finalidade democrática. Mas a verdade é que o mercado sozinho não segura a cultura.

PARA A ECONOMIA BRASILEIRA, O MODELO ADOTADO PRECISA DE QUAL CORREÇÃO?

O que o Brasil está fazendo até agora é tentar tampar o sol com a peneira. Ao invés de criar salvaguardas, estamos tentando tampar buraquinhos.

QUE TIPO DE CORREÇÃO É NECESSÁRIA?

Todas as operações de câmbio no Brasil deveriam ser feitas via Banco do Brasil. Para que não haja mais operações clandestinas e desconhecidas de câmbio. Não podemos perder as reservas internacionais brasileiras.

A CONSEQÜENCIA MAIOR PARA O BRASIL SERÁ DESEMPREGO E INFLAÇÃO?

Com certeza a conseqüência mundial é desemprego.”

3 comentários:

Celso P. Neris Jr. disse...

O professor Carlos Lessa é muito sarcástico. Digo isso pelo que já li e ouvi dele. Não por isso, sua análise é muito lúcida e não muito diferente do que os economistas heterodoxos, como exemplo o professor Belluzzo, vem dizendo a muito tempo. Infelizmente os economistas do mainstream têm o péssimo defeito da ignorância compartilhada.

phobus disse...

-Nova Ordem- Nações e pessoas ignoram que o poder e riquezas são efêmeros.É histórico que grandes impérios e sociedades ruíram.O sistema financeiro atual foi mantido pelos E.U. enquanto lhe era conveniente e pode mantê-lo, assim como são mantidos os desacreditados sistema político e a mídia no Brasil, com sensacionalismo e propagandas enganosas, atendendo mais a interesses particulares e gananciosos, visando ao lucro a qualquer custo. Todos acima possuem algo em comum: os sistemas se exauriram, sendo que o primeiro implodiu antes destes últimos.Uma nova ordem mundial exige novos parâmetros como observação éticos e dos valores morais da maioria e com a participação de todos, para terem credibilidades e evoluírem em beneficio de todos.

Unknown disse...

Prezados Celso e Phobus,
Boas, pertinentes e corretas colocações. Nada a acrescentar.
Maria Tereza