segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A ORIGEM DO TEMPO

Li ontem no jornal Folha de São Paulo o seguinte artigo de Marcelo Gleiser, professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo":

No universo quântico, intervalos temporais não têm sentido

“Continuando nossa exploração do tempo, nesta semana toco na questão de sua origem. Como começou o tempo? Santo Agostinho tinha duas respostas para quem lhe perguntava o que Deus estava fazendo antes de criar o mundo.

"Estava criando o Inferno para pôr os chatos que fazem esse tipo de pergunta" era uma delas. (Parece que ele não levava essa muito a sério.) A outra resposta, bem interessante, é que "o tempo surgiu com a Criação". Ou seja, antes de o mundo existir o tempo também não existia. Em linguagem mais moderna, revertemos a questão ao modelo do Big Bang, que diz que o Universo teve sua origem há aproximadamente 14 bilhões de anos.

Quando afirmamos isso, implicitamente supomos que o tempo, como o conhecemos, começou a passar a partir do Big Bang, o evento que marca a origem cósmica. A pergunta clássica que tantos fazem é: "E antes do Big Bang? O que estava acontecendo?" Perfeitamente natural a pergunta.

Afinal, estamos acostumados com o fluir do tempo, com o passado, o presente e o futuro. Se o Big Bang marca a origem do cosmo, ele marca também a origem do tempo.

Segundo a teoria da relatividade de Einstein, que descreve as propriedades do tempo e do espaço, devemos pensar em termos de um espaço-tempo, uma entidade que engloba tanto o tempo quanto o espaço. Um não existe sem o outro. Então, se o Big Bang marca a origem do espaço, marca também a origem do tempo. Ou melhor, a origem do espaço-tempo.

Apenas a partir desse conceito podemos definir distâncias entre dois pontos ou intervalos de tempo entre dois eventos. Por que isso?

Essencialmente, a teoria de Einstein deixa de fazer sentido quando nos aproximamos do momento inicial, o t = 0 (tempo igual a zero.) Aí os cálculos dão resultados absurdos. Isso ocorre porque a teoria, como qualquer teoria em física, tem seu limite de validade. Aplicá-la além desse limite gera erros.

Chamamos a teoria de Einstein de teoria clássica. Isso a diferencia de uma teoria quântica, ideal para tratar de estruturas atômicas ou subatômicas. Perto do Big Bang, as distâncias cósmicas eram subatômicas: o Universo, como um todo, tem de ser descrito pela teoria quântica.

Mas o que vem a ser um Universo quântico? Segundo a teoria quântica, estruturas de dimensões subatômicas estão sempre vibrando, como se tivessem um desconforto. Essas vibrações são descritas pelo celebrado princípio de incerteza de Heisenberg, que diz ser impossível medir simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula, como um elétron, com precisão arbitrariamente alta. Há um limite no que podemos saber sobre essas quantidades. Essa limitação de deve à agitação inerente ao mundo quântico.

É inescapável, propriedade da Natureza. Traduzindo isso para o nosso Universo, quando chegamos perto do início, as distâncias espaciais são tão pequenas que o Universo assume dimensões atômicas. Portanto, deve ser descrito pela teoria quântica. Mesmo que não tenhamos ainda uma teoria quântica do espaço-tempo, sabemos que é inevitável que o próprio espaço-tempo flutue violentamente devido à incerteza quântica, como se fosse uma cama elástica enlouquecida. Distâncias espaciais e intervalos de tempo deixam de fazer sentido. Não existe perto e longe, antes e depois.

Nesse mundo, digno de um conto de Jorge Luís Borges, passado e futuro não existem. Todos os instantes coexistem; o próprio tempo pode ir para a frente ou para trás. De repente, dessas flutuações espaço-temporais, surge uma grande o suficiente para ser descrita pela teoria de Einstein. A partir daí, o tempo começa a passar alegremente, marcando a origem de tudo.”

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